Resumo: Artigo 36124
A urna eletrônica como um artefato que tem política (11, 108, 114)
Paulo Sérgio Pinto Mendes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 210 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 12 - Chair: Hernán Thomas
Abstract.
O meu estudo visa a constituição e estabilização do conjunto urna eletrônica (UE) como um artefato robusto utilizado nas eleições para os poderes executivos e legislativos brasileiros desde 1996. Este conjunto - terminal do eleitor e microterminal - faz parte do Sistema Informatizado de Eleições (SIE). Integram ainda este Sistema os computadores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Uma situação particular despertou meu interessante por estudar o conjunto urna eletrônica. Nas eleições de 2004, insatisfeito com grande parte dos políticos profissionais, tomei a decisão de fazer um protesto: votaria NULO. Só, diante do terminal do eleitor, percorri o teclado em busca da tecla NULO; não a encontrei. Apenas neste momento tomei consciência da inexistência desta tecla. Então, digitei algumas vezes o algarismo 9 para vereador, prefeito, deputados estadual e federal e senador. Em todas as votações apareceu no monitor: número errado. Precionei a tecla CONFIRMA e, somente então, os meus votos foram anulados. Por ter o olhar exercitado pelos pressupostos dos estudos de ciência-tecnologia-sociedade (CTS) e da teoria ator-rede, uma questão veio à minha mente quase que imediatamente ao ato que tinha acabado de finalizar: as nossas interações são sempre mediadas por objetos. John Law: ... almost all of our interactions with other people are mediated through objects of one kind or another(1). Sendo assim, neste artigo, utilizarei a não existência da tecla NULO no terminal do eleitor como uma cunha para abrir uma fresta na caixa-preta do conjunto urna eletrônica, da qual escapará, inevitavelmente, uma parte de seus fluxos sociotécnicos. Desta forma, apontarei que características da UE, como, por exemplo, a ausência da tecla NULO, o teclado apenas numérico e os espaços limitados na tela do terminal do eleitor a serem preenchidos a cada votação têm, dentre outras questões sociotécnicas, contribuído para submeter e restringir a expressão dita política do eleitor brasileiro. Pude delinear um período denso na constituição da UE como artefato robusto entre a instalação da Comissão de Informatização das Eleições Municipais de 1996, instituída pelo TSE para debater e aprovar propostas visando a informatização do voto (Termo de Referência de 07.04.1995), e a entrega do último lote de UEs para as eleições de 1996, em setembro deste mesmo ano. Para a construção desta história lançarei mão de uma bibliografia teórico-metodológica (Bruno Latour, John Law, Michel Callon e outros) e específica sobre o artefato e documentos oficiais (Diário Oficial da União, manuais, DVDs, licitações etc.), publicações em geral, e utilizarei entrevistas com atores-rede imbricados na sua construção, entre os quais os já entrevistados Jorge Lheureux de Freitas, membro da Comissão citada acima; Osvaldo Catsumi Imamura, do Instituto de Tecnológico da Aeronáutica-ITA, do Grupo Técnico, também instalado pelo TSE (Portaria n° 282 de 22.09.1995), para especificar tecnicamente o conjunto urna eletrônica; e Carlos Rocha, engenheiro pelo ITA e ex-presidente da hoje extinta Associação Brasileira da Indústria de Informática-ABICOMP, que dirigia a Omnitech, contratada pela Unisys, vencedora da licitação para a fabricação do Coletor Eletrônico de Voto (CEV), com um protótipo do conjunto urna eletrônica. (1) LAW, John. Notes on the theory of the actor-network: ordering, strategy, and heterogeneity in Systems Practice, vol. 5, n° 4, 1992, p.381-382.